SINÓPSE
(Primeira Orelha)
Cada um pensa o mundo a seu modo. A percepção dos filósofos ultrapassa a matéria, em direção à sua essência. Os materialistas, em sentido oposto, só percebem o que é palpável e assimilável pelos sentidos. A percepção de um e outro passa a ser determinada, então, pelas fontes de conhecimento que buscou. Entre um extremo e outro, porém, há aqueles que refletem sobre as coisas do mundo a partir das lições do cotidiano, que se ocupam com os pequenos acontecimentos que cercam a vida, a morte, as alegrias, as infelicidades, as experiências que as pessoas vão acumulando existência afora, dando-lhes uma dimensão que não teriam não fosse o fato de alguém se deter sobre esses momentos para extrair-lhes um sentido.
Para João Bosco Marinho, o hábito de pensar as coisas da vida veio aos poucos. A princípio ele anotava os pensamentos que lhe ocorriam em pequenos pedaços de papel e, quando o volume foi crescendo, decidiu passá-los para um caderno. Com o passar do tempo, os cadernos se multiplicaram e ele, que tinha na família e nos amigos a pequena platéia à qual expunha suas reflexões, resolveu publicar a obra de que se ocupara anos a fio.
Neste que é o primeiro e último livro de sua vida, como gosta de dizer, ingressam pensamentos alegres, mórbidos, marotos, sutis, escancarados, sinceros, debochados, colhidos em cima de acontecimentos ou derivados de outros. O excesso de peso, por exemplo, é definido de forma precisa e bem-humorada: “O aumento de três furos no cinto, feitos pela gula: isto é obesidade”. Os poucos afeitos ao trabalho têm novos argumentos para cultivar a preguiça, com a constatação de João Bosco Marinho: “Somente suporto o trabalho porque não consigo ganhar dinheiro por outros meios”.
É dessa matéria que esse livro foi feito. Sem pretensões, mas com alegria, vivacidade, muito humor, virtudes tão em falta nesse mundo em transformação. Vale a pena perder um momento para mergulhar nessa leitura fácil e descontraída que essa obra oferece a quem aprecia um bom dito.
APRESENTAÇÃO
Em todo o mundo, homens, mulheres, velhos e crianças, pobres e ricos, ingleses, americanos, afegãos e chineses adotam e usam citações para expressar, de modo sucinto, o que pensam sobre uma série de fatos. Em todas as línguas, seja qual for a civilização, as máximas estão sempre presentes e exercem um singular fascínio sobre as pessoas.
Como muitos que, eventual ou freqüentemente recorrem às citações para desfrute pessoal, acabei cativado pelo gênero. Não fiz este trabalho com pretensões literárias. A minha primeira e confessada intenção foi anotar impressões sobre a vida, as pessoas e seus comportamentos. Quando o volume dessas anotações foi crescendo, achei que publicá-las seria um bom legado para as pessoas a quem quero bem, aí incluídos família e amigos.
Tenho respaldo de um grande pensador para agir assim. Benjamin Franklin dizia que se alguém quer ser lembrado após a morte, deve “escrever coisas que possam ser lidas ou fazer coisas que possam ser escritas”. Fui também fiel à singela, porém profunda, sabedoria dos chineses: tive quatro filhos e plantei dezenas de árvores, mas me proponho a escrever um único livro. Já é o bastante para me considerar realizado.
Fiz pensamentos no trabalho, dirigindo, andando de bicicleta, tomando banho e até mesmo em sonhos. Tinha sempre os bolsos cheios de anotações (afinal, não posso deixar de constar que, como escrevi, minha memória e uma adúltera, vive me traindo), trabalhava nos momentos de folga, laboriosamente. Quando me dei conta, tinha cadernos e cadernos cheios de pensamentos. Foi então que me surgiu a idéia de reuni-los em um livro para legar às pessoas às quais devoto meu carinho.
Tinha dez anos quando pela primeira vez me toquei para a beleza e concisão de um provérbio, Foi ao ouvir um comentário de meu avô Anisio Marinho, fazendeiro na Umburana, em Santa Luzia, sertão da Paraíba. Ele aconselhava um amigo que pretendia entrar para o ramo dos negócios a investir em terras, garantindo que “O melhor negócio do mundo é terra de primeira; o segundo é terra de segunda e o terceiro é terra de terceira”.
Aquela lição calou fundo na minha memória e embora não tenha ser- iniciar-me no mundo dos negócios, foi-me útil para entrar no negócio dos pensamentos. Menino ainda, respondia sempre que alguém me censurava por comer alguma coisa sem lavar as mãos ou caída no chão que “Triste do bicho que outro engole”. Tantas vezes repeti o dito que já nem mais sei se o inventei ou se dele me apossei.
A empreitada de produzir um livro de citações não é nada fácil, apesar da satisfação que tive em produzi-lo. Como são tantos os autores e pessoas que refletem sobre aqueles momentos sempre freqüentes na vida de todos, como amor, felicidade, saúde, morte, dinheiro, pobreza, céu, inferno etc., tem-se a impressão de que um ou mais pensamentos ocorrem a mais de uma pessoa, no mesmo ou em tempos diferentes.
Até porque ser completamente original é uma grande façanha. Terêncio (poeta romano nascido quase dois séculos antes de Cristo) já dizia, àquela época, não ser mais possível dizer nada de novo. A Bíblia, o Alcorão e o livro das Mil e uma Noites estão repletos de recomendações que nosso parco conhecimento supõe ter sido herdado de nossos avós. Não foi por outra razão que deixo presente uma advertência: tudo dito já foi dito, tudo feito já foi feito.
É bem verdade que alguns se superam. Temos versos, pensamentos, acordes que alcançam o patamar da perfeição. São pérolas irretocáveis. Mas cá na planície dos homens mais modestos, há sempre alguém que, como eu, gosta de fazer reflexões e, para grande felicidade, acabam despertando o interesse e a atenção de uma outra alma parecida com a minha. E o que sempre digo: Quem não pode fazer melhor, faz do seu jeito.
Por último, uma referência ao título. Foi-me dado de presente por uma velha lavadeira da família, Inácia Tomás, ao regressar à minha terra natal, Santa Luzia do Sabugi, no sertão da Paraíba, depois de muitos anos ausentes. Vendo-me de barba grisalha, os cabelos também grisalhos, com a imponência que a idade costuma dar a certas pessoas, ela observou: “Você está parecendo um marquês!” E completou em seguida: “O Marquês de Sabugi”. Foi na pele de um marquês sertanejo que me pus a pensar desde então e em nome do qual passo aos meus muitos amigos o produto dessa reflexão.
NOTAS
(Segunda Orelha)
João Bosco Marinho é um bem-sucedido profissional da medicina que, além de se dedicar ao estudo das numerosas afecções alérgicas de seus pacientes, aprecia refletir sobre múltiplas circunstâncias que a vida lhe coloca ao alcance. Foi observando situações que passam despercebidas à maioria que ele, pacientemente, ao longo de mais de cinco anos, compôs os pensamentos que ora trazemos aos nossos leitores. São reflexões que se ocupam mais com a essência do que com a forma, embora elaboradas numa linguagem elegante e concisa, que despertam a atenção por valorizar situações do cotidiano, das relações entre as pessoas que passariam isentas de significados, não fosse seu olhar atento sobre elas. Com isso, contribui para aperfeiçoar o autoconhecimento e o relacionamento entre aqueles que, realmente, se preocupam com seu crescimento interior.
João Bosco Marinho nasceu em Santa Luzia, no sertão paraibano, onde teve uma vida apertada, mas rica de experiências. Preferindo as brincadeiras e os banhos de açude aos estudos, foi um estudante desinteressado até chegar às portas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Paraíba. As coisas tomaram nova configuração quando, aprovado no vestibular ante a perplexidade de muitos conterrâneos, internou-se por seis anos nos laboratórios e salas de aula da UFPB até se transformar no médico competente que Brasília teve oportunidade de acolher, desde 1960. Hoje, é um dos conceituados médicos de sua especialidade, com uma margem de sucessos que o tornam um dos mais requisitados.
A minha gente do Planalto,
Ao meu povo do Sabugi;
Os meus amores de lá,
As minhas paixões daqui.
― O autor